


A Pintura do Esquizofrênico
O interesse médico pela produção artística dos doentes mentais, principalmente dos esquizofrênicos, começou no século passado e adquiriu maior interesse após o aparecimento da obra clássica do psiquiatra Prinzhorn. A partir daí, vários autores passaram a analisar e a interpretar o conteúdo e a forma daqueles pacientes.
A maioria dos doentes mentais não possuem aptidões para a pintura ou qualquer outro tipo de arte, pois é sabido que a esquizofrenia deteriora a capacidade do indivíduo. Raros esquizofrênicos desenharam ou pintaram antes de adoecerem, embora muitos deles, em suas casas ou nos hospitais, passem uma boa parte do tempo desenhando ou escrevendo. Entretanto, poucos desenvolvem algum trabalho digno de receber o nome de artístico, pois, suas “obras”, não passam na maioria das vezes, de simples rabiscos ou desenhos esquemáticos sem nenhum sentido estético.
Não se pode falar de arte psicopatológica propriamente dita, quando um artista já consagrado adoece, sem, entretanto, alterar a essência de sua produção. Por outro lado, quando um pintor tornar-se esquizofrênico e os seus dons artísticos são afetados, ele pode continuar a produzir após a instalação da doença mas, nesse caso, suas produções empobrecem. O aparecimento de idéias delirantes e alucinações, que caracterizam a esquizofrenia num determinado indivíduo, nada tem a ver com o nascimento de um dom artístico. Nenhuma doença mental produz uma capacidade criadora no homem, pois essa depende do talento individual. Durante muito tempo falou-se acerca da relação do gênio com a loucura. Não existe tal relação. Não se constrói um gênio enlouquecendo um homem normal, mas sim, se destrói um gênio tornando-o louco. Apenas em raríssimos casos a doença mental pode servir como fator desencadeante e desinibidor para despertar uma aptidão até então adormecida.
No esquizofrênico encontram-se alterados, entre outros, os seguintes aspectos do indivíduo: o conteúdo e a forma do pensamento; a percepção, daí o aparecimento de várias alucinações; a afetividade, que se torna, muitas vezes embotada, apagada ou inadequada; certa dificuldade ou estranheza ao lidar com o próprio Eu; muita dificuldade em tomar qualquer iniciativa; uma tendência para isolar-se do mundo exterior e, por último, uma perturbação do comportamento psicomotor, com a diminuição da reatividade ao meio ambiente e redução dos movimentos espontâneos. Todo esse quadro conduz, inevitavelmente, a uma diminuição da compreensão e da interpretação da realidade.
A pintura do esquizofrênico, tanto no que diz respeito ao seu conteúdo, quanto a sua forma, não se acha ligada a normas ou regras coletivas de nenhuma espécie. Como ele, normalmente, não se comunica de maneira convencional, sua arte pode ser considerada, em um grau elevado, um murmúrio consigo mesmo. Em alguns poucos casos, suas mensagens comoventes, são dirigidas aos mortos, a Deus, a Jesus Cristo ou ao seu médico assistente. A sua produção artística misteriosa pode chegar mesmo a uma total confusão, convertendo-se numa linguagem indecifrável. Sua arte é, freqüentemente, um grito dirigido a ninguém, ou um monólogo estridente lançado num vazio trágico.
Os quadros desses pacientes mostram, ao lado de alucinações pavorosas, motivos plácidos, inexpressivos ou até mesmo alegres. Enquanto que a “pintura primitiva” e o desenho infantil constituem, na maioria dos casos, um produto de elaboração do ambiente, a arte dos esquizofrênicos reproduz, não uma natureza externa, mas apenas percepções distorcidas de vivências sombrias e sofridas, que é o seu mundo interno, onde se guardam diversas alucinações e delírios, que pouco ou nada tem a ver com a realidade dos “normais”. Sua pintura deforma e simplifica a anatomia. Os espaços vazios da tela são preenchidos compulsivamente com pontos, roscas, figuras geométricas, letras ou números.
A pintura dos esquizofrênicos não tendo um público determinado, é dirigida a uma platéia imaginária, diferente portanto da pintura do artista sadio, ou mesmo da arte dos chamados “povos primitivos”, onde o destinatário é uma comunidade humana real. Os que passaram a pintar após adoecerem são, no sentido exato da palavra, autodidatas. Por habitar um mundo estranho, impenetrável e particular, bastante diferente do “geral”, os seus diversos símbolos permanecem geralmente obscuros e incompreensíveis para todos nós.
Dentro do seu “autismo” expressam a sua arte, mediante o lápis ou o pincel, de uma forma inteiramente espontânea e livre, sem preconceitos e sem seguir regras acadêmicas de nenhuma espécie. Essas pinturas possuem exatamente pelo fato de estarem desligadas de todo o modelo convencional e de todo o preconceito de estilo, uma intensidade emocional diferente, pura, simples e bela, muitas vezes com uma grandeza de forma que as eleva a um nível artístico superior. O seu aspecto é recriado livremente, e neste, não existe perspectiva linear. Para ele não há profundidade, os corpos não são desenhados mostrando a ilusão do volume real. Eles, na sua pintura, não representam as sombras produzidas pelos corpos, ao contrário de uma representação naturalística que não pode prescindir delas pois, sem estas, os objetos parecem flutuar. Na verdade, nas nossas representações interiores, ou seja, quando visualizamos uma paisagem, previamente sabemos se o objeto está pousado na terra ou flutuando no espaço, portanto, na nossa imaginação, não existem sombras determinadas pela luz. O esquizofrênico não reproduz o que vê fora de si, mas, sim, o que percebe dentro, ele não se preocupa em criar a ilusão da matéria e nem se preocupa com a precisão de detalhes.
As cores usadas não têm correspondência com as existentes na realidade externa. Quando ele as usa, estas servem mais como um meio de desenhar e não para retratar as cores naturais existentes no “mundo real”, que não são respeitadas por ele. As cores, utilizadas com ampla liberdade, são aplicadas geralmente de forma pura ou pouco misturadas; como sua produção é rápida, ela serve para dar vazão as idéias que lhe ocorrem em abundância. O esquizofrênico não dispõe de tempo para preparar as cores das aquarelas, do óleo ou misturá-las. A escolha destas, de preferência as fortes, é ditada principalmente pelo seu valor afetivo, isto é, daquela que ele mais gosta no momento da criação, e, só, em segundo lugar, pelo objeto a ser representado.
Os desenhos dos esquizofrênicos simplificados, deformados e repletos de formas repetidas, são estáticos e mesmo petrificados, e raramente mostram movimentos. Além disso, as diversas figuras estão aglutinadas ou condensadas, contendo os vários elementos incoerentes reunidos em uma só imagem. O contorno linear, muito ressaltado, torna as superfícies bem delimitadas pelo traço, geralmente feito sem retoques ou correções. O símbolo adquire, na pintura do esquizofrênico, o valor da coisa significada. Nota-se, portanto, que a pintura do esquizofrênico se opõe às exigências do naturalismo no que diz respeito a ilusão do espaço, do volume e da matéria, assim quanto a precisão do desenho, a exatidão da anatomia e a cor do objeto.
Apesar de ter perdido todo o caráter anatômico ou naturalista, a forma criada pelo esquizofrênico expressa um conteúdo singular e atraente, e com freqüência emociona os não doentes por sua beleza diferente. A sua pintura permite, através de uma expressão artística altamente espontânea, a exibição de valores eternos do homem. A mensagem poética e mágica contida nas suas pinturas, torna possível o difícil e amargo encontro entre os “sãos” e os “doentes”. Provavelmente, as imagens que habitam o “porão” dos indivíduos sadios e os doentes mentais, são as mesmas. Essa semelhança de símbolos, que não aparece claramente quando olhamos através dos andares mais altos, permite a comunicação dos doentes com os sadios. Desse modo a pintura dos esquizofrênicos conseguem tocar e transmitir, a todos que a contemplam sem preconceitos, as mais diversas e profundas emoções que residem no âmago de nossas almas. Por tudo isso elas merecem ser vistas.
A maioria dos doentes mentais não possuem aptidões para a pintura ou qualquer outro tipo de arte, pois é sabido que a esquizofrenia deteriora a capacidade do indivíduo. Raros esquizofrênicos desenharam ou pintaram antes de adoecerem, embora muitos deles, em suas casas ou nos hospitais, passem uma boa parte do tempo desenhando ou escrevendo. Entretanto, poucos desenvolvem algum trabalho digno de receber o nome de artístico, pois, suas “obras”, não passam na maioria das vezes, de simples rabiscos ou desenhos esquemáticos sem nenhum sentido estético.
Não se pode falar de arte psicopatológica propriamente dita, quando um artista já consagrado adoece, sem, entretanto, alterar a essência de sua produção. Por outro lado, quando um pintor tornar-se esquizofrênico e os seus dons artísticos são afetados, ele pode continuar a produzir após a instalação da doença mas, nesse caso, suas produções empobrecem. O aparecimento de idéias delirantes e alucinações, que caracterizam a esquizofrenia num determinado indivíduo, nada tem a ver com o nascimento de um dom artístico. Nenhuma doença mental produz uma capacidade criadora no homem, pois essa depende do talento individual. Durante muito tempo falou-se acerca da relação do gênio com a loucura. Não existe tal relação. Não se constrói um gênio enlouquecendo um homem normal, mas sim, se destrói um gênio tornando-o louco. Apenas em raríssimos casos a doença mental pode servir como fator desencadeante e desinibidor para despertar uma aptidão até então adormecida.
No esquizofrênico encontram-se alterados, entre outros, os seguintes aspectos do indivíduo: o conteúdo e a forma do pensamento; a percepção, daí o aparecimento de várias alucinações; a afetividade, que se torna, muitas vezes embotada, apagada ou inadequada; certa dificuldade ou estranheza ao lidar com o próprio Eu; muita dificuldade em tomar qualquer iniciativa; uma tendência para isolar-se do mundo exterior e, por último, uma perturbação do comportamento psicomotor, com a diminuição da reatividade ao meio ambiente e redução dos movimentos espontâneos. Todo esse quadro conduz, inevitavelmente, a uma diminuição da compreensão e da interpretação da realidade.
A pintura do esquizofrênico, tanto no que diz respeito ao seu conteúdo, quanto a sua forma, não se acha ligada a normas ou regras coletivas de nenhuma espécie. Como ele, normalmente, não se comunica de maneira convencional, sua arte pode ser considerada, em um grau elevado, um murmúrio consigo mesmo. Em alguns poucos casos, suas mensagens comoventes, são dirigidas aos mortos, a Deus, a Jesus Cristo ou ao seu médico assistente. A sua produção artística misteriosa pode chegar mesmo a uma total confusão, convertendo-se numa linguagem indecifrável. Sua arte é, freqüentemente, um grito dirigido a ninguém, ou um monólogo estridente lançado num vazio trágico.
Os quadros desses pacientes mostram, ao lado de alucinações pavorosas, motivos plácidos, inexpressivos ou até mesmo alegres. Enquanto que a “pintura primitiva” e o desenho infantil constituem, na maioria dos casos, um produto de elaboração do ambiente, a arte dos esquizofrênicos reproduz, não uma natureza externa, mas apenas percepções distorcidas de vivências sombrias e sofridas, que é o seu mundo interno, onde se guardam diversas alucinações e delírios, que pouco ou nada tem a ver com a realidade dos “normais”. Sua pintura deforma e simplifica a anatomia. Os espaços vazios da tela são preenchidos compulsivamente com pontos, roscas, figuras geométricas, letras ou números.
A pintura dos esquizofrênicos não tendo um público determinado, é dirigida a uma platéia imaginária, diferente portanto da pintura do artista sadio, ou mesmo da arte dos chamados “povos primitivos”, onde o destinatário é uma comunidade humana real. Os que passaram a pintar após adoecerem são, no sentido exato da palavra, autodidatas. Por habitar um mundo estranho, impenetrável e particular, bastante diferente do “geral”, os seus diversos símbolos permanecem geralmente obscuros e incompreensíveis para todos nós.
Dentro do seu “autismo” expressam a sua arte, mediante o lápis ou o pincel, de uma forma inteiramente espontânea e livre, sem preconceitos e sem seguir regras acadêmicas de nenhuma espécie. Essas pinturas possuem exatamente pelo fato de estarem desligadas de todo o modelo convencional e de todo o preconceito de estilo, uma intensidade emocional diferente, pura, simples e bela, muitas vezes com uma grandeza de forma que as eleva a um nível artístico superior. O seu aspecto é recriado livremente, e neste, não existe perspectiva linear. Para ele não há profundidade, os corpos não são desenhados mostrando a ilusão do volume real. Eles, na sua pintura, não representam as sombras produzidas pelos corpos, ao contrário de uma representação naturalística que não pode prescindir delas pois, sem estas, os objetos parecem flutuar. Na verdade, nas nossas representações interiores, ou seja, quando visualizamos uma paisagem, previamente sabemos se o objeto está pousado na terra ou flutuando no espaço, portanto, na nossa imaginação, não existem sombras determinadas pela luz. O esquizofrênico não reproduz o que vê fora de si, mas, sim, o que percebe dentro, ele não se preocupa em criar a ilusão da matéria e nem se preocupa com a precisão de detalhes.
As cores usadas não têm correspondência com as existentes na realidade externa. Quando ele as usa, estas servem mais como um meio de desenhar e não para retratar as cores naturais existentes no “mundo real”, que não são respeitadas por ele. As cores, utilizadas com ampla liberdade, são aplicadas geralmente de forma pura ou pouco misturadas; como sua produção é rápida, ela serve para dar vazão as idéias que lhe ocorrem em abundância. O esquizofrênico não dispõe de tempo para preparar as cores das aquarelas, do óleo ou misturá-las. A escolha destas, de preferência as fortes, é ditada principalmente pelo seu valor afetivo, isto é, daquela que ele mais gosta no momento da criação, e, só, em segundo lugar, pelo objeto a ser representado.
Os desenhos dos esquizofrênicos simplificados, deformados e repletos de formas repetidas, são estáticos e mesmo petrificados, e raramente mostram movimentos. Além disso, as diversas figuras estão aglutinadas ou condensadas, contendo os vários elementos incoerentes reunidos em uma só imagem. O contorno linear, muito ressaltado, torna as superfícies bem delimitadas pelo traço, geralmente feito sem retoques ou correções. O símbolo adquire, na pintura do esquizofrênico, o valor da coisa significada. Nota-se, portanto, que a pintura do esquizofrênico se opõe às exigências do naturalismo no que diz respeito a ilusão do espaço, do volume e da matéria, assim quanto a precisão do desenho, a exatidão da anatomia e a cor do objeto.
Apesar de ter perdido todo o caráter anatômico ou naturalista, a forma criada pelo esquizofrênico expressa um conteúdo singular e atraente, e com freqüência emociona os não doentes por sua beleza diferente. A sua pintura permite, através de uma expressão artística altamente espontânea, a exibição de valores eternos do homem. A mensagem poética e mágica contida nas suas pinturas, torna possível o difícil e amargo encontro entre os “sãos” e os “doentes”. Provavelmente, as imagens que habitam o “porão” dos indivíduos sadios e os doentes mentais, são as mesmas. Essa semelhança de símbolos, que não aparece claramente quando olhamos através dos andares mais altos, permite a comunicação dos doentes com os sadios. Desse modo a pintura dos esquizofrênicos conseguem tocar e transmitir, a todos que a contemplam sem preconceitos, as mais diversas e profundas emoções que residem no âmago de nossas almas. Por tudo isso elas merecem ser vistas.
MINHA HISTÓRIA COM D. R. P.
Conheci D.R.P. quando iniciava o meu trabalho como professor da Faculdade de Medicina da UFMG. Fui chamado para dar um parecer sobre o estado mental de DRP que fora internado, com algumas queixas físicas, no Hospital da Cruz Vermelha.
Recostado no leito, DRP exibia um olhar vazio, inexpressivo e triste. Fixava seus olhos num velho e surrado caderno de desenho que se encontrava apoiado entre suas pernas magras. Suas mãos pálidas pareciam maiores, pois se alongavam através de dedos finos. Estes, tremulos, comprimiam um pedaço de um lápis vermelho, quase sem ponta.
Durante a consulta o paciente permaneceu indiferente as minhas indagações. Nao falava sem ser perguntado. Respondia automaticamente, economizando´palavras e de forma repetida, com sua voz quase inaudível, apenas o que lhe era perguntado. Suas respostas pouco ou nada tinham a ver com as perguntas feitas; havia um verdadeiro “diálogo dos surdos”. Não me fitava. Seu olhar aéreo voltava-se para seus incompreensíveis rabiscos desenhados no caderno amarelado.
Conheci D.R.P. quando iniciava o meu trabalho como professor da Faculdade de Medicina da UFMG. Fui chamado para dar um parecer sobre o estado mental de DRP que fora internado, com algumas queixas físicas, no Hospital da Cruz Vermelha.
Recostado no leito, DRP exibia um olhar vazio, inexpressivo e triste. Fixava seus olhos num velho e surrado caderno de desenho que se encontrava apoiado entre suas pernas magras. Suas mãos pálidas pareciam maiores, pois se alongavam através de dedos finos. Estes, tremulos, comprimiam um pedaço de um lápis vermelho, quase sem ponta.
Durante a consulta o paciente permaneceu indiferente as minhas indagações. Nao falava sem ser perguntado. Respondia automaticamente, economizando´palavras e de forma repetida, com sua voz quase inaudível, apenas o que lhe era perguntado. Suas respostas pouco ou nada tinham a ver com as perguntas feitas; havia um verdadeiro “diálogo dos surdos”. Não me fitava. Seu olhar aéreo voltava-se para seus incompreensíveis rabiscos desenhados no caderno amarelado.
Constatada a ausência de doença orgânica e a possível presença de um transtorno mental, sugeri sua transferência para o Instituto Raul Soares, hospital para doentes mentais, onde eu trabalhava naquela época. O convite foi aceito de imediato, sem objeções, sem perguntas, e com total indiferença. Além do mais, o paciente não tinha onde comer e dormir.
No Instituto Raul Soares DRP não chamou a atenção dos médicos e enfermeiros. Ficava geralmente quieto, sozinho, sem aborrecer ninguém e sem nada reclamar. Foi, aos poucos, se aproximando mais de mim, principalmente quando demonstrei maor interesse por suas “produções artísticas”. Naquela ocasião eu já possuía algumas “obras” de doentes mentais (psicóticos, deficientes, alcoólatras e anti-sociais), guardadas como material de estudo e curiosidade. Foi nessa ocasião, após ser convidado, que decidi submeter-me a um concurso de Livre-Docência. Interessado em tentar ocupar a cadeira de Psicologia da Faculdade de Filosofia da U.F.M.G. eu comecei a me preparar para as provas e da tese a ser elaborada.`Por isso abandonei, por alguns meses, a maior parte de minhas atividades. Assim permaneci de fevereiro a novembro daquele ano, lendo e escrevendo, confinado em uma “república” na Av. do Contorno 2930, nas proximidades do hospital onde trabalhava e fazia minhas refeições.
Estando cada vez mais ligado a D.R.P., levava-o comigo para a "república" onde eu estudava, e comecei a lhe fornecer material para pintar: pincéis, tintas, cartolinas e, mais tarde, telas. Enquanto estudava, D.R.P. pintava, e ninguém o aborrecia. Deixava-o de lado, sem incomodá-lo, como era do seu gosto. Seus quadros eram produzidos em poucas horas, e exibidos para receber os meus julgamentos, que eram, algumas vezes, ásperos e nada agradáveis, pois, além de estar estressado pelo grande esforço intelectual que realizava, também não conseguia compreender a comunicação existente nas suas pinturas, o que me irritava. Somado a tudo isso, quanto mais rápido era sua produção, mais gastos eu precisava fazer para comprar os materiais para a criação de novos quadros: o dinheiro era muito pouco. Ele permanecia indiferente as minhas apreciações, grosserias e apuros.
De certo modo ele fazia o papel de “terapeuta” para mim, durante esse período de minha vida, pois acabava projetando nele algumas de minhas emoções desordenadas. Nesse tempo, uma amiga “M”, fazia um curso de pintura, e freqüentava a “república’ ocasionalmente, pois estava interessada num psiquiatra, também ali residente e com o qual veio a se casar. Para preencher o seu tempo, enquanto esperava o namorado, e curiosa com os quadros de DRP, “M” ministrava lições de pintura, as quais, talvez tenha lhe ajudado com respeito a algumas tecnicas.
Seus quadros, pouco a pouco, foram se acumulando na casa. Inicialmente não despertaram nem o interesse, nem mesmo a curiosidade de ninguém, a nao ser minha e, um´pouco de M. Poucos gastaram tempo para simplesmente olhá-los. Apesar disso, em meados daquele ano, acredito que sob o patrocínio de sua “professora” e de Angel Carretero e de Cirilo Metódio, D.R.P, conseguiu fazer sua primeira e única “individual” exibindo seus quadros para o público.
Atarefado, nas vésperas de meus exames, não compareci. Tive notícias de alguns diálogos cômicos, provocados por perguntas dos presentes que desejavam “explicações” para o inexplicável e interpretações do pintor sobre suas produções, também incompreensíveis.
Muitos quadros, a maioria reservados por possíveis compradores e interessados, foram aparentemente comprados. Após alguns dias de espera, como costuma acontecer, ninguém se apresentou para pagar e levar as pinturas selecionadas. Eu, mais uma vez, fui o comprador isolado de todos, um após outro, à medida que entrava algum dinheiro. Aconselhei DRP a guardar um pouco do mísero dinheiro conseguido, para enfrentar futuras emergências.
Os quadros continuaram a ser produzidos febrilmente. Eu, interessado muito mais nos meus estudos e no concurso que se aproximava, sem refletit, ia comprando aquela produção, sem capacidade para avaliar, se as pinturas tinham ou não algum valor estético. Entusiasmado com meu futuro, às vezes tentava passar para meu companheiro a minha euforia. Creio que poucas vezes ele me compreendeu, ou quem sabe, nunca... Outras vezes eu o incentivava pelo meu silêncio, fechado no meu mundo particular, pois, desse modo não o incomodava. Quando a fome apertava, D.R.P. ia ao boteco mais próximo buscar café com pão para dois.
Terminei a tese, prestei o concurso no dia 22 de novembro. Logo depois, despejados de nossa "república", eu e meus amigos mudamos para uma casa na Av. Bernardo Monteiro, mais afastada do hospital onde D. R.P. estava internado. A partir daí, diminui meu contato com ele. Dias depois DRP pediu-me para sair do hospital, pois já estava cansado do lugar. Havia parado de pintar durante após minha ausência. Disse-me, na ocasião, que voltaria a ser servente de pedreiro. Pedi ao médico responsável pelo seu tratamento, a sua alta, o que foi imediatamente concedida.
Despedimo-nos sem desmonstrarmos grandes emoções, como sempre fora o nosso relacionamento, pois o meu envolvimento com certos fatos, nessa época, tornou-me, também “esquizofrênico” para outros acontecimentos ao meu redor.
Anos mais tarde, vi no jornal “Estado de Minas”, uma reportagem acerca de D.R.P. , onde ele era chamado pelo articulista de “pintor primitivo”. De acordo com a reportagem, ele vendia na Praça da Liberdade seus quadros. Fui, com saudades, em busca do amigo. Não o achei. O D.R.P., pintor primitivo da Praça da Liberdade não era o D.R.P. meu conhecido; era outro. Pedi pessoas amigas - que lá expunham seus quadros - notícias do D.R.P. Não obtive resposta.
Incentivado por pessoas amigas que viram nas paredes de meu consultório psiquiátrico, diversas pinturas de DRP, decidi realizar uma exposição na Aliança Francesa com seus quadros. A exposição dos quadros de um servente de pedreiro esquizofrênico, muito divulgada pelos jornais e televisões, levou um grande número de curiosos à Aliança Francesa. Um senhor que lá esteve me informou que conheceu DRP. Disse-me que havia falecido, em Sabará (que seria sua cidade natal), pouco depois de sair do Instituto Raul Soares
Anos mais tarde fui ao Instituto Raul Soares ver se conseguia mais informaçõess acerca de DRP. Graças a gentileza do diretor do hospital tive acesso aos dados existentes no seu prontuário. Copiei, acerca de DRP, as informações seguintes:
Prontuário número 1974
2a ª via devido ao extravio do original - do Instituto Raul Soares;
Classe indigente;
1ª Seção
Nome D.R.P
Idade – 26 anos
Cor – Faioderma
Estado Civil – Solteiro
Profissão- Servente de Pedreiro
Religião – Católica
Responsável – O próprio paciente
DIAGNÓSTICO – ESQUIZOFRENIA
Ass. Dr, I.R.S.
No Instituto Raul Soares DRP não chamou a atenção dos médicos e enfermeiros. Ficava geralmente quieto, sozinho, sem aborrecer ninguém e sem nada reclamar. Foi, aos poucos, se aproximando mais de mim, principalmente quando demonstrei maor interesse por suas “produções artísticas”. Naquela ocasião eu já possuía algumas “obras” de doentes mentais (psicóticos, deficientes, alcoólatras e anti-sociais), guardadas como material de estudo e curiosidade. Foi nessa ocasião, após ser convidado, que decidi submeter-me a um concurso de Livre-Docência. Interessado em tentar ocupar a cadeira de Psicologia da Faculdade de Filosofia da U.F.M.G. eu comecei a me preparar para as provas e da tese a ser elaborada.`Por isso abandonei, por alguns meses, a maior parte de minhas atividades. Assim permaneci de fevereiro a novembro daquele ano, lendo e escrevendo, confinado em uma “república” na Av. do Contorno 2930, nas proximidades do hospital onde trabalhava e fazia minhas refeições.
Estando cada vez mais ligado a D.R.P., levava-o comigo para a "república" onde eu estudava, e comecei a lhe fornecer material para pintar: pincéis, tintas, cartolinas e, mais tarde, telas. Enquanto estudava, D.R.P. pintava, e ninguém o aborrecia. Deixava-o de lado, sem incomodá-lo, como era do seu gosto. Seus quadros eram produzidos em poucas horas, e exibidos para receber os meus julgamentos, que eram, algumas vezes, ásperos e nada agradáveis, pois, além de estar estressado pelo grande esforço intelectual que realizava, também não conseguia compreender a comunicação existente nas suas pinturas, o que me irritava. Somado a tudo isso, quanto mais rápido era sua produção, mais gastos eu precisava fazer para comprar os materiais para a criação de novos quadros: o dinheiro era muito pouco. Ele permanecia indiferente as minhas apreciações, grosserias e apuros.
De certo modo ele fazia o papel de “terapeuta” para mim, durante esse período de minha vida, pois acabava projetando nele algumas de minhas emoções desordenadas. Nesse tempo, uma amiga “M”, fazia um curso de pintura, e freqüentava a “república’ ocasionalmente, pois estava interessada num psiquiatra, também ali residente e com o qual veio a se casar. Para preencher o seu tempo, enquanto esperava o namorado, e curiosa com os quadros de DRP, “M” ministrava lições de pintura, as quais, talvez tenha lhe ajudado com respeito a algumas tecnicas.
Seus quadros, pouco a pouco, foram se acumulando na casa. Inicialmente não despertaram nem o interesse, nem mesmo a curiosidade de ninguém, a nao ser minha e, um´pouco de M. Poucos gastaram tempo para simplesmente olhá-los. Apesar disso, em meados daquele ano, acredito que sob o patrocínio de sua “professora” e de Angel Carretero e de Cirilo Metódio, D.R.P, conseguiu fazer sua primeira e única “individual” exibindo seus quadros para o público.
Atarefado, nas vésperas de meus exames, não compareci. Tive notícias de alguns diálogos cômicos, provocados por perguntas dos presentes que desejavam “explicações” para o inexplicável e interpretações do pintor sobre suas produções, também incompreensíveis.
Muitos quadros, a maioria reservados por possíveis compradores e interessados, foram aparentemente comprados. Após alguns dias de espera, como costuma acontecer, ninguém se apresentou para pagar e levar as pinturas selecionadas. Eu, mais uma vez, fui o comprador isolado de todos, um após outro, à medida que entrava algum dinheiro. Aconselhei DRP a guardar um pouco do mísero dinheiro conseguido, para enfrentar futuras emergências.
Os quadros continuaram a ser produzidos febrilmente. Eu, interessado muito mais nos meus estudos e no concurso que se aproximava, sem refletit, ia comprando aquela produção, sem capacidade para avaliar, se as pinturas tinham ou não algum valor estético. Entusiasmado com meu futuro, às vezes tentava passar para meu companheiro a minha euforia. Creio que poucas vezes ele me compreendeu, ou quem sabe, nunca... Outras vezes eu o incentivava pelo meu silêncio, fechado no meu mundo particular, pois, desse modo não o incomodava. Quando a fome apertava, D.R.P. ia ao boteco mais próximo buscar café com pão para dois.
Terminei a tese, prestei o concurso no dia 22 de novembro. Logo depois, despejados de nossa "república", eu e meus amigos mudamos para uma casa na Av. Bernardo Monteiro, mais afastada do hospital onde D. R.P. estava internado. A partir daí, diminui meu contato com ele. Dias depois DRP pediu-me para sair do hospital, pois já estava cansado do lugar. Havia parado de pintar durante após minha ausência. Disse-me, na ocasião, que voltaria a ser servente de pedreiro. Pedi ao médico responsável pelo seu tratamento, a sua alta, o que foi imediatamente concedida.
Despedimo-nos sem desmonstrarmos grandes emoções, como sempre fora o nosso relacionamento, pois o meu envolvimento com certos fatos, nessa época, tornou-me, também “esquizofrênico” para outros acontecimentos ao meu redor.
Anos mais tarde, vi no jornal “Estado de Minas”, uma reportagem acerca de D.R.P. , onde ele era chamado pelo articulista de “pintor primitivo”. De acordo com a reportagem, ele vendia na Praça da Liberdade seus quadros. Fui, com saudades, em busca do amigo. Não o achei. O D.R.P., pintor primitivo da Praça da Liberdade não era o D.R.P. meu conhecido; era outro. Pedi pessoas amigas - que lá expunham seus quadros - notícias do D.R.P. Não obtive resposta.
Incentivado por pessoas amigas que viram nas paredes de meu consultório psiquiátrico, diversas pinturas de DRP, decidi realizar uma exposição na Aliança Francesa com seus quadros. A exposição dos quadros de um servente de pedreiro esquizofrênico, muito divulgada pelos jornais e televisões, levou um grande número de curiosos à Aliança Francesa. Um senhor que lá esteve me informou que conheceu DRP. Disse-me que havia falecido, em Sabará (que seria sua cidade natal), pouco depois de sair do Instituto Raul Soares
Anos mais tarde fui ao Instituto Raul Soares ver se conseguia mais informaçõess acerca de DRP. Graças a gentileza do diretor do hospital tive acesso aos dados existentes no seu prontuário. Copiei, acerca de DRP, as informações seguintes:
Prontuário número 1974
2a ª via devido ao extravio do original - do Instituto Raul Soares;
Classe indigente;
1ª Seção
Nome D.R.P
Idade – 26 anos
Cor – Faioderma
Estado Civil – Solteiro
Profissão- Servente de Pedreiro
Religião – Católica
Responsável – O próprio paciente
DIAGNÓSTICO – ESQUIZOFRENIA
Ass. Dr, I.R.S.
Nao havia nenhuma outra informação acerca de D.R.P.